RESENHA: Morte e Vida Severina
Autor: João
Cabral de Melo Neto
Movimento: Modernismo
- Geração de 45
Por Fernando
Marcílio
Mestre em Teoria Literária pela Unicamp
Na abertura da peça, o retirante Severino se apresenta à plateia e se dispõe a narrar sua trajetória. Sai do sertão nordestino em direção ao litoral, em busca da vida que escasseava em sua terra.
Ao longo do caminho, mantém uma série de encontros com tipos nordestinos. Logo de saída encontra os irmãos das almas, lavradores encarregados de conduzir a um cemitério distante o corpo de um colega, assassinado a mando de latifundiários.
Aos poucos, assiste à seca do rio Capiberibe, que Severino segue em sua viagem ao litoral. Passa por um lugarejo e ouve uma cantoria vinda de uma casa. Trata-se do canto de excelências, isto é, fúnebre, em honra a outro Severino morto.
Na abertura da peça, o retirante Severino se apresenta à plateia e se dispõe a narrar sua trajetória. Sai do sertão nordestino em direção ao litoral, em busca da vida que escasseava em sua terra.
Ao longo do caminho, mantém uma série de encontros com tipos nordestinos. Logo de saída encontra os irmãos das almas, lavradores encarregados de conduzir a um cemitério distante o corpo de um colega, assassinado a mando de latifundiários.
Aos poucos, assiste à seca do rio Capiberibe, que Severino segue em sua viagem ao litoral. Passa por um lugarejo e ouve uma cantoria vinda de uma casa. Trata-se do canto de excelências, isto é, fúnebre, em honra a outro Severino morto.
Com a morte definitiva do rio,
Severino pensa em desistir de sua viagem, mas acaba por optar pelo
prosseguimento. Assim, planeja instalar-se naquele mesmo lugar. Conversando com
uma moradora, percebe que nenhuma das atividades que poderia desempenhar –
agricultura e pecuária – encontraria espaço ali, mas apenas aquelas ligadas à morte,
como rezadeira e coveiro.
Severino continua sua jornada e passa
pela Zona da Mata, região de relativa prosperidade no interior do sertão.
Encanta-se com a natureza verdejante do lugar, mas percebe ainda a presença da
morte ao testemunhar o funeral de um lavrador que se realiza no cemitério
local. Abandona o pensamento inicial de encerrar ali a busca que mantinha pela
vida e continua sua viagem.
Por fim, chega ao Recife, onde resolve
descansar ao pé de um muro. Trata-se de um cemitério, e Severino escuta então o
diálogo entre dois coveiros. Os trabalhadores conversam sobre o trabalho que
lhes dão os retirantes que saem de suas casas sertanejas para morrer ali,
fazendo-o ademais no seco e não no rio – o que lhes daria menos serviço e mais
sossego. Diante desse novo encontro com a morte, Severino resolve entregar-se a
ela e se matar, atirando-se em um dos rios que cortam a cidade.
Ao se aproximar do rio, inicia um
diálogo com José, mestre carpina (carpinteiro), morador ribeirinho.
Pergunta-lhe se aquele ponto do rio era propício ao suicídio. O mestre responde
positivamente, mas tenta convencer o retirante a não se atirar. Severino pede
então que lhe dê uma única razão para não fazê-lo.
A resposta do mestre é interrompida
pelo anúncio do nascimento de seu filho. José o celebra com vizinhos e
conhecidos, recebe os presentes pobres que lhe trazem, ouve as previsões
pessimistas de duas ciganas a respeito do futuro da criança e, por fim, recordando-se
da pergunta de Severino, dispõe-se a respondê-la. Afirma então que ele, José,
não tem a resposta para a questão de saber se a vida vale ou não a pena, mas
que o nascimento de seu filho funciona como resposta, representando a
reafirmação da vida diante da morte.
Contexto | Sobre
o autor
João Cabral é o maior poeta da
terceira fase modernista. Mais do que isso: forma, ao lado de Carlos Drummond
de Andrade e Manuel Bandeira o trio de poetas mais importantes da nossa
história. É o poeta da pesquisa formal, da exatidão, da linguagem enxuta cuja
matriz está, reconhecidamente, em Graciliano Ramos.
Importância do livro
Em Morte e Vida Severina, sem abrir mão do rigor imagético
e da síntese expressiva, João Cabral alcança uma comunicabilidade maior, talvez
em função do fato de ter sido desafiado a escrever uma peça de teatro –
destinada, portanto, a um público mais amplo do que aquele que sua poesia
poderia alcançar. A abordagem do drama da seca é feita de tal forma a dialogar
com o romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos, do qual funciona quase
como continuação.
Período histórico
Os anos 1950 se caracterizam na
história brasileira pelo desenvolvimentismo do governo de Juscelino
Kubitscheck. Trata-se de um período de grande entusiasmo cultural e
intelectual, que atinge o campo da literatura em autores como Guimarães Rosa e
Clarice Lispector, além do próprio João Cabral.
Análise
João Cabral classificou sua peça de auto
de natal pernambucano, levando em conta tanto a forma popular dos versos
curtos, comuns nos autos medievais, quanto a circunstância de tratar de
um nascimento (natal) e de ambientar-se no sertão pernambucano. O
título promove uma proposital inversão entre vida e morte,
colocando esta em primeiro lugar. Essa troca da ordem natural indica os
encontros com a morte e a vitória da vida, no final.
Lembrete
- Morte e Vida Severina é uma peça de teatro em versos. O autor resgata uma forma popular – os versos curtos – para tratar de um assunto que atingia particularmente o povo nordestino: a seca.
Além disso, o nome próprio Severina
é usado como adjetivo no título, sugerindo uma ampliação de sentido que é
confirmada logo nas primeiras palavras do retirante, que, ao tentar se
apresentar, evidencia que sua situação particular é, na verdade, uma metonímia
do que ocorre com outros sertanejos, igualmente vítimas da seca.
Em seu caminho em direção ao litoral,
Severino alterna diálogos e monólogos. Os primeiros representam os encontros
sucessivos com figuras simbólicas da morte – irmãos de almas, carpideiras,
rezadeiras, funeral –, inseridas no fundo social da peça, que é a disputa pela
terra. Já os monólogos mostram as reflexões do retirante, que tenta redefinir
seus rumos depois de cada diálogo.
Os pontos culminantes da trajetória
fatalista do retirante são a morte do rio cujo percurso ele acompanha até o
litoral – representação de um meio que se rende à morte como o morador
instalado nele – e o paradoxo do contato com ofícios que demonstram vitalidade
justamente porque associados à morte – rezadeira, coveiro, farmacêutico etc.
A chegada à cidade é a desilusão
final do retirante. O diálogo travado entre os coveiros funciona como sua
sentença de rendição à morte, ato máximo de seu desespero. Por outro lado, o
nascimento de uma criança instala a contradição entre a opção de saltar fora da
vida, desistindo dela e a alternativa de agarrar-se à existência e resistir à
morte opressora. Nesse sentido, a simbologia da criança – para além de figurar
o nascimento de Cristo, em sua condição de filho de carpinteiro – abarca a
ideia da purificação, da limpeza de toda a podridão associada à morte.
A peça não resolve a contradição, já
que sua última fala é a do carpina propondo a vida a Severino, sem que se saiba
a opção feita por este. No entanto, o título da peça, que propõe o encontro
final com a vida, parece sugerir a vitória da resistência e da insistência na
esperança.
Fonte: Educação Globo | Literatura
Assista ao Filme: Morte e Vida Severina em Desenho Animado (Clique Aqui)
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